Acabo de ler um texto muito bom de Alessandro Bracht* sobre os Skinheads Nacionalistas Brasileiros, mais especificamente os Carecas do ABC e os White Powers.
Ele aborda o tema de forma crítica, porém, longe do tratamento midiático comum quando se trata do tema.
Muitas vezes ele parece generalizar o termo Skinhead e ignorar um pouco a forte presença de Skinheads Negros dos primeiros anos e dos Skinheads ligados a esquerda, como os RASHs.
Antes de ler este texto, gostaria que vocês dessem uma olhada no meu post que conta historias desconhecidas dos Skinheads. http://gabrielvinceblog.blogspot.com/2010/09/um-pouco-da-historia-dos-skinheads.html
E aproveitar para convidá-los para um ciclo/debate que está em andamento no Museu da Imagem e do Som de Campinas, sobre o tema. http://www.miscampinas.com.br/eventos_137-Ciclo_Skinhead_em_Campinas.htm
(*)Alessandro Bracht é mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O Nacionalismo dos Skinheads Brasileiros
por Alessandro Bracht
Introdução
O nacionalismo já serviu e continua servindo a muitos patrões. É fato que esse arlequim ideológico e usualmente ruidoso se prestou a tantas causas, que o passar do tempo tornou incapaz sua teorização unívoca e, no mais das vezes, como afirma Anderson Benedict, “qualquer antologia que ‘mapeie o terreno’ tem mais probabilidade de encontrar autores de costas uns para os outros, olhando para horizontes diferentes e obscuros, do que empenhados em um ordeiro combate de mãos dadas”. Não poderia ser de outra forma uma vez que, ao ser tomado para usos tão diversos, o nacionalismo sempre esteve - e continua estando - conformado à época e ao lugar. Assim sendo, ele deu base de sustentação aos regimes autoritários e totalitários de viés direitista que marcaram presença na Europa a partir dos anos 1920, aos populismos latino-americanos e às lutas de independência das colônias européias na Ásia e na África, sem nunca mudar de nome.
No tempo presente, mais precisamente após a dissolução do socialismo soviético, readquiriu forças e passou a ser usado como ferramenta essencial da extremadireita européia ocidental, hábil em capitanear questões como o desemprego e as supostas desagregações cultural e racial causadas pela migração excessiva de terceiro-mundistas. Simplista e falaciosa, ela atingiu essencialmente corações e mentes da juventude sem perspectiva e carente de um discurso que indicasse a residência do problema e a forma de resolvê-lo.
Segundo Hobsbawm:
“Seria tentador dizer: o que se está defendendo contra os estrangeiros são os empregos. Há alguma verdade nessa proposição. A grande base social dos movimentos racistas europeus, como a Frente Nacional Francesa, parece estar na classe trabalhadora nativa, os principais ativistas desses movimentos parecem ser jovens da classe trabalhadora
-skinheads e similares. Uma longa era de emprego pleno ou praticamente garantido chegou ao fim, na década de 1970 na Europa Ocidental, e no fim da década de 1980 na Europa Central e Oriental. Desde estão a Europa tem vivido novamente em sociedades com desemprego em massa e insegurança no trabalho. Além disso, (...) os mecanismos sociais que atribuíam a cada grupo nichos diferentes e não competitivos vêmse desgastando, ou são politicamente inaceitáveis.
A ascensão relativamente súbita de partidos xenófobos, ou da questão da xenofobia na política, deve-se predominantemente a isso.”
Os skinheads a quem faz referência Hobsbawm são parte de uma coletividade surgida a partir da segunda metade da década de 1960 na Inglaterra como uma subcultura jovem da classe operária e que o tempo e suas demandas transformou em exército jovem voluntário da direita radical.
Do tempo original, aos skinheads das gerações seguintes restaram as referências visuais, o culto ao futebol e à cerveja e a violência, esta última transformada no presente de territorial - brigas de gangues e afins - em racialmente dirigida. A esses elementos foi adicionada uma orientação política, visível a partir do final dos anos 1970, de viés ultranacionalista e que acabou gerando a aproximação com grupos coordenados de extrema-direita, caso, por exemplo, do financiamento proporcionado pelo partido inglês National Front (NF) a atividades como concertos e gravações de discos do projeto musical naziskin White Noise entre 1980 e 1986. Teixeira da Silva, porém, afirma que os skinheads “são considerados pelas próprias organizações como escória e, portanto, futuramente descartáveis. A ação de tais naziskins (existem outros grupos skin, alguns de caráter anti-racista e mesmo os Redskins ou Anarcoskins, de orientação anarquista), muitos dos quais já freqüentavam a crônica policial por puro e simples vandalismo, tem o mérito, para as organizações, de não comprometê-las diretamente e de ostentar, simultaneamente, um caráter ‘espontâneo’ e não-coordenado”.
Ian Stuart Donaldson, vocalista do Skrewdriver e um dos responsáveis por colocar o movimento Skinhead em conformidade com as idéias da extrema-direita |
Existem grupos autônomos de skinheads abertamente devotados ao nacional-socialismo, tais como os Hammerskins, organização surgida na cidade de Dallas (EUA) em 1987, e o Blood and Honour (Inglaterra), herança deixada pelo ícone white power Ian Stuart Donaldson (falecido num acidente de carro em 1993), que contabilizam células em muitos países europeus, África do Sul e Austrália. Assim como existem organizações menores também devotadas à supremacia branca de curta durabilidade e ações violentas meramente ordenadas pela idéia de eliminação de judeus, negros, árabes e homossexuais ou da separação de tais etnias da raça nomeada pela extrema-direita de “pura”.
Porém, seja qual for o modelo de conduta, é o nacionalismo que dá ânimo e permite a continuidade de tais idéias e ações. Um nacionalismo justamente interpretado, segundo Anderson, pela “metáfora maligna da metástase” e que traz como elementos justificadores noções de pertencimento na maioria das vezes inventadas.
A disseminação dos skinheads para além das fronteiras européias levou consigo esse caráter nacional radicalizado, gerando, inclusive, um curioso sincretismo brasileiro inicialmente denominado de movimento ‘careca’ e que, com o passar do tempo, fundou grupos rivais, defensores de nacionalismos fortemente diferenciados no discurso e vagamente diversos nas práticas.
É justamente sobre os skinheads brasileiros que o presente artigo se debruça, voltando especialmente suas atenções para os valores nacionalistas causadores de conflito e de comunhão e para as práticas dele emanadas. Em se tratando de um objeto em permanente construção, as fontes pesquisadas têm como centralizadores os produtos culturais dos skins do Brasil, tais como fanzines, sítios eletrônicos, músicas e alguns raros depoimentos coletados pelo próprio autor, além do único livro publicado no Brasil sobre o assunto.
Garotos do subúrbio
As limitações impostas pelo presente artigo impedem que a discussão sobre a origem dos Skinheads brasileiros seja aprofundada. Entretanto, para que seja possível interpretar os dados que conformam seu suposto nacionalismo, é inevitável que se faça conhecer um pouco de sua origem.
Em termos territoriais, os primeiros skins brasileiros surgiram em meio à pobreza material dos bairros da Zona Leste de São Paulo e nas cidades industriais que conformam o ABC paulista - Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul. A época não pode ser exatamente precisada, mas em 1982, os skinheads paulistas recebiam um primeiro tributo musical: “Careca”, da banda Neuróticos, presente no disco O começo do fim do mundo, gravação de um festival de bandas punk ocorrido no SESC - Fábrica de Pompéia, reduto cultural alternativo da cidade de São Paulo: “Vamos para a guerra/ Juntar nossa força/ Careca! Careca!/ Não gostamos de racismo/ Não gostamos de fascismo/ Careca! Careca!/ Vamos para as ruas/ Demonstrar a nossa força/ Careca! Careca!/ Grite para todos/ O grito de guerra/ Careca! Careca!”. Já segundo a versão de um punk contemporâneo a esse evento, “o primeiro ‘careca do subúrbio’ é o T., há dez anos (...) (mais ou menos 1981) ele já era ‘careca’. Na época só tinha o T., que era punk mas (...) andava de cabeça raspada, e era só. Depois surgem os ‘carecas do subúrbio’, um pessoal do fundão da Zona Leste (...)”
Assim sendo, no princípio, os Skinheads do Brasil não eram muito mais que os temidos punks da Zona Leste, ostentadores de cabeças raspadas como forma de diferenciação em relação aos chamados punks da cidade, ou seja, aqueles que circulavam pelo centro de São Paulo e, a partir do crescimento numérico, passaram a incluir em seus quadros jovens de classe média; era o punk tornado moda e, portanto, inofensivo, algo que os garotos do subúrbio não aceitavam.
Para eles, o pressuposto da pobreza era inevitável para alguém que pretendesse ser aceito como punk, tivesse ele cabeça raspada ou não. Costa indica que “nos subúrbios da cidade de São Paulo, (...) os ‘carecas do subúrbio’ começaram a se fortalecer enquanto uma ala radical do punk que se opunha (...) à transformação da roupas e artigos para serem vendidos em lojas e butiques e que, principalmente, tentava reafirmar do punk exatamente aqueles valores e posturas que acreditavam fazer sentido em relação à realidade em que viviam.”.
Mas a letra da canção citada anteriormente revela outro dado importante dos primeiros tempos: negar qualquer ligação com sintomas políticos de extrema-direita. Baseado nas parcas informações que aqui chegavam, a imagem que se tinha dos Skinheads europeus era de uma total devoção ao nazismo e suas adjacências. Nada se sabia a respeito das origens subculturais operárias dos skinheads britânicos do final da década de 1960 ou das variantes existentes.
Carecas do Brasil |
A própria alcunha nacional -‘careca’ - também servia como afastamento claro da conexão direta com a imagem generalizante do naziskin forâneo.
O passar do tempo trouxe consigo a acirramento das relações entre ‘carecas’ e punks. Brigas constantes e lutas territoriais ocorridas em apresentações em São Paulo de bandas estrangeiras pelas quais ambas as facções tinham predileção, em 1987 e 1988, determinaram a cisão final. Mesmo que, como Dick Hebdige indica, esses momentos tenham algo de mítico, eles são bastante representativos do fato de que os encontros pacíficos não mais poderiam ocorrer.
E se nas mentalidades rústicas desses jovens, o punk representava o ideal anárquico (mesmo que ele fosse construído a partir de uma mistura de senso comum e ralo conhecimento ideológico), os ‘carecas’ deveriam rumar para o extremo oposto, a caminho de uma identidade particular que os afastasse daquilo que era o anarco-punk. Assim, aliando informações do exterior que aportavam no Brasil com maior intensidade quando o final da década de 1980 se aproximava e o conservadorismo operário herdado de seus pais, os ‘carecas’ recriaram seus códigos de pertencimento.
Tratava-se, pois, de uma mistura de nacionalismo difuso e subculturalidade, esta última muito próxima da relação estabelecida entre os skinheads britânicos dos anos 1960 e os referenciais da cultura operária inglesa que colaboraram para sua formatação original. Certamente menos natural e abrangente, mas indubitavelmente significativa. De acordo com Costa, na época referida, os ‘carecas’ “expressavam vários dos valores típicos dos trabalhadores de um modo geral, como a busca da dignidade, o respeito, o reconhecimento social, além de assumirem, freqüentemente, posturas moralistas e nacionalistas. Pertenciam, principalmente, a uma camada social que se via em posição de fragilidade frente à crise econômica, de instabilidade e de ‘lumpenização’”. É o que fica expresso em texto publicado no fanzine Ordem e Progresso, em forma de celebração: “Acostumados com a dura realidade do dia-a-dia, nascidos e criados num ambiente proletário que sempre preservou a moral e a dignidade, desde o início os ‘carecas’ foram temidos pelos pilantras e boyzinhos que entraram no movimento punk no embalo, pois não eram revoltados com porra nenhuma, não conheciam a realidade suburbana e brasileira. Desde que apareceram, os ‘carecas’ foram respeitados pelo que representam até hoje: cultura e postura proletária e suburbana.”
Antes de entrar nas questões ideológicas nacionais propriamente ditas, é necessário que sejam feitos dois esclarecimentos. O primeiro diz respeito ao fato da transitoriedade dos integrantes de movimentos juvenis, ou seja, o passar do tempo provoca tanto o afastamento de antigos integrantes como a aproximação de novatos. Este câmbio, não raro, trás para o interior da coletividade novas idéias ao mesmo tempo em que não permite o amadurecimento de outras que se encerram ou são relidas com o desligamento de participantes de uma geração anterior.
O segundo traz em si o alerta de que o tempo minou a coesão interna dos skins brasileiros, gerando variantes que assumem o nacionalismo em perspectivas bastante diferenciadas, inclusive em casos nos quais estes mesmos skinheads sejam partícipes de uma única facção.
O que fica, como poderá ser constatado a seguir, é a impressão clara de que eles habitam a “periferia da política”, conceito cunhado pelo historiador catalão Xavier Casals Meseguer para definir os jovens neonazistas europeus - pouquíssimo ilustrados naquilo que supõe defender -, mas adequado também ao caso dos skins locais.
A “periferia da política” seria, portanto, “un área de difícil definición donde convergen lo que podríamos designar como ‘lumpempolítica’ - la actuación de grupúsculos y siglas de entidad minúscula -, la marginalidad juvenil (el mundo de enfrentamientos y rivalidades entre grupos de hinchas o bandas juveniles) y la violencia gratuita.”.
Não pode ser desconsiderado ainda o crescimento da influência exterior sobre as secções locais, ou seja, à medida que os anos passavam, a originalidade e relativa autonomia dos ‘carecas’ foi decrescendo em nome de uma aproximação maior com as idéias e práticas dos skinheads europeus e norte-americanos.
Hoje, existe uma clara rivalidade entre simpatizantes de um nacionalismo tolerante em termos raciais - grande parte dos ‘carecas’, seja os do Subúrbio ou do ABC, aceita negros e os filhos da imigração nordestina em seus quadros - e os defensores da supremacia branca, os white power skinheads, também devotados ao separatismo em nome de uma improvável pureza racial.
Além disso, não é rara a migração de ‘carecas’ para as hostes pro-white assim com a inclusão nesses grupos de jovens oriundos de camadas privilegiadas da sociedade. As razões para tanto estão na própria natureza do discurso supremacista, importado da extrema-direita do hemisfério norte, mais capacitado a criar um sentimento de coesão a partir da identificação equivocada dos problemas e da possibilidade de solução dos mesmos, elemento o qual os ‘carecas’ não dispõem tão claramente, apesar de sutis aproximações com o Integralismo e com o Partido da Restauração da Ordem Nacional (PRONA).
Cartaz Integralista, Anauê em Tupi significa "Estou aqui companheiro" |
Em função do que foi dito até aqui, não se pode olhar para os setores nacionais dos skinheads como configuradores de um movimento social, mas somente como grupos identitários marginais, insignificantes para o cenário político institucional. Pouco visíveis também em termos numéricos, os skins do Brasil alcançam visibilidade somente por conta da violência física e discursiva que praticam. São esses os momentos que os tornam publicamente identificáveis. No entanto, é em certo tipo de nacionalismo que eles procuram balizar e justificar o uso da força contra aqueles que são julgados a revelia como inimigos da nação. Daí a importância da identificação e reconhecimento de tais elementos, mesmo contando com a natural existência de limites a essa tarefa.
Raça, imigração e separatismo: áreas de conflito
Um princípio interessante para compreender a origem dos elementos que compõem o nacionalismo dos ‘carecas’ e white power skins passa por Isaiah Berlin: “El nacionalismo es una inflamación de la conciencia nacional que puede ser, y lo ha sido a veces, tolerante e pacífico. Resulta de una herida, de una especie de humillación colectiva”. O sentimento de humilhação coletiva sugerido por Berlin pode ser interpretado de maneiras diversas, dependendo do grupo que dele faz uso. Tomando em conta exclusivamente os Skinheads - e, portanto, deixando à margem a tolerância e o pacifismo sugeridos pelo historiador - os sujeitos causadores da humilhação são aqueles que, segundo parâmetros internos, se apoderam dos meios da vida social que eles julgam lhes pertencer como dignos representantes da nação, seja esta o Brasil integral ou um estado secessionista mais ao sul.
Existe, claro, alguma estranheza na presença dos skinheads em território brasileiro. Afinal, o Brasil possui bem pouco daquilo que alimenta a existência do ultranacionalismo europeu, por exemplo. Não se quer aqui dizer que os argumentos da extrema-direita da Europa tenham alguma validade no campo do real. Sua fonte mítica é clara. Jamais poderá se falar em raça pura ou cultura comum sem a inclusão das tradições inventadas. Mas não há como negar que é bem mais fácil disseminar idéias de superioridade branca, anti-imigração ou anti-socialismo em um espaço onde existe uma relação histórica longeva com tais temas e, inclusive, um senso comum capaz de fornecer um suporte mais amplo aos mesmos. Fosse tão simples, o artigo terminaria por aqui, restando apenas uma breve espera pela extinção total dos skins do Brasil por mera falta de razões para sua existência.
Mas os Skinheads, de maneiras peculiares, conseguem transferir parte dos argumentos que sustentam a extrema-direita européia para o Brasil, recriando-os de forma a estarem em sintonia com aquilo que eles julgam ser a realidade brasileira. Um reforço a essa sincretização advém ainda de algumas criações próprias e que até se chocam com os ventos ideológicos que sopram a partir da Europa. Chocamse, mas respeitam. É comum entre os ‘carecas’ a proposta interna de que a Europa é o lar dos brancos e, desta forma, a eles pertencem e que o Brasil, sendo um lar de todas as raças, as todas as raças pertence igualitariamente. A falta de perspectiva histórica é visível. Nesse ponto, os ‘carecas’ parecem desconhecer que, além dos indígenas, as demais “raças” que compõem a nação são resultantes de movimentos coloniais e migratórios.
A questão racial, porém, não é tida pelos Skins do Brasil como apenas um embate entre a celebração e a negação pura e simples. Se uma rápida análise aponta para a polaridade absoluta entre ‘carecas’ e pro-white skinheads, um aprofundamento maior abre espaço para variantes nem sempre externadas com tanta intensidade. A linha simplista que separa racistas e não-racistas é por vezes subvertida por posicionamentos intermediários, tendo por base um tipo particular de visão história. RM, 23 anos à época da entrevista, ‘careca’ do grupo neointegralista de Niterói (RJ) e um dos editores do fanzine Avante!, acredita que “O Brasil até raça própria tem, no caso o negro, o índio e o branco”. Assim, ele e seus companheiros de causa renegam o racismo, aproximando-se da proposta definida por Lesser como a “teoria do triângulo”:
“uma ‘civilização’ criada a partir da ‘colisão das três raças’: africanos (pretos), brancos (europeus) e índios (nativos), onde a mistura dos povos que se encontravam dentro da área demarcada pelos limites do triângulo criou infinitas possibilidades genéticas.”.
A partir da declaração de RM., a noção um tanto peculiar de raça subscreve-a ao território de um Estado nacional e não à etnia: pertencem à “raça brasileira” aqueles indivíduos nascidos no Brasil e que para ele trabalham e produzem. A partir desses discursos o pressuposto da miscigenação se estenderia a todos os ‘carecas’ anti-racistas? Ou as “infinitas possibilidades genéticas” não seriam tão infinitas? O careca do subúrbio JB., mesmo renegando qualquer possibilidade de exclusão social por força da etnia, posiciona-se contra a mistura:
“minha idéia é não pregar o preconceito sob nenhum aspecto pois isso é contra a lei. Racismo, creio que já falei, é diferente de discriminação racial. Eu não me misturo e não gosto da mistura pelo simples fato de interferir na cultura dos descendentes. Só isso. Preservação da espécie.”
A postura de S., 22 anos, residente em Porto Alegre, é algo parecida com a de JB.: “A gente [o skinhead] preserva muito a origem e a tradição. O movimento é todo tradicional. A gente preserva a tradição do sul, gaúcha mesmo. E como a tradição parte da família, família branca, então eu quero dizer quem eu sou: eu sou assim, sou gaúcho, sou brasileiro, sou branco.”
Em linhas gerais, as palavras de JB e S expõe um posicionamento bastante aceito entre os ‘carecas’: o projeto nacionalista deve incluir igualmente todas as raças que convivem no Brasil, desde que preservando as diferenças étnicas inerentes.
Essa subtolerância presente entre os ‘carecas’ não faz parte do programa defendido pelos skinheads do ‘poder branco’. Os alvos primeiros desses grupos são os negros e os nordestinos. Aqui, entretanto, surge um problema: pode o ódio dirigido aos imigrantes nordestinos ser classificado como de ordem racial? E, em caso positivo, o anti-semitismo também estaria aqui incluído? A partir de uma análise do discurso interno, a confusão apenas tende a aumentar. Os olhares do poder judiciário e da mídia tampouco ajudam, apesar da tendência de verem como racismo o preconceito dirigido a imigrantes do nordeste e a judeus.
Em linhas simplistas, o negro é tratado como raça inferior dada à marginalidade e à malandragem inerentes, o nordestino como ladrão de empregos e subversor cultural -e aqui pode ser incluída a repulsa à miscigenação - e o judeu como o controlador da mídia e, conseqüentemente, da opinião pública, assunto este que será visto no subtítulo dedicado ao comunismo e ao sionismo.
Dessa forma, são adicionados outros elementos que competem com o racismo puro e simples, mas que ajudam a conformá-lo como tal.
O discurso sobre a inferioridade negra é incômodo, quando não chocante. Em dois documentos de ordem interna, os skins supremacistas demonstram capacidade para subverter a ordem histórica dos fatos e transformar o presente em sua única fonte de argumentação, como se o passado escravista não mais incidisse sobre os eventos contemporâneos. O primeiro dos citados é a música “Peste negra”, da extinta banda paulista Brigada NS:
“Negro, negro, vê se te manca/ Cai fora do meu país/ Levando junto o teu samba/ Negro, negro, sai da minha nação/ Para abaixar o índice de ladrão/ Já estou cansado de te aturar/ E o teu fedor, ter de respirar/ Ainda és escravo e não podes reclamar/ Abaixe a cabeça, senão vai apanhar/ Negro, negro, sai do meu país/ Para me deixar mais feliz/ Negro, negro, cai na real/ ainda és primitivo/ É só um animal/ Na minha nação/ Tu não tens mais lugar/ De tanto procriar/ Agora tens que roubar/ Volte para a África, macaco desgraçado/ Não temos mais senzalas/ Para você vegetar”
O segundo, de autoria da organização Esquadrão NS, tem por base meros dados estatísticos, tradicionais cobertores de realidades construídas em longo prazo: “Pode-se notar a ignorância negra. São 85 por cento dos presos gastando nosso dinheiro”
Nos dois casos apresentados, a fonte ideológica primordial parece advir dos Estados Unidos da América, país por excelência do poder branco. Foi a partir do sul dos EUA que, ainda no século XIX, surgiu o primeiro núcleo da Ku Klux Klan (KKK), depois expandido e dividido em dezenas de células. Lá também nasceram religiões pregadoras da superioridade branca, caso da Church of the Creator (COTC) na década de 1970.
Capa de um disco da banda paulista Brigada NS - O retono da Velha Ordem Celebração ao Nacional Socialismo |
E apesar da Europa ter inúmeras organizações devotadas à mesma causa24, a tolerância norte-americana a essas formas de manifestação é visível, o que permite uma divulgação mais intensa e regionalmente ampla da ideologia pro-white. Claro que não há uma leitura local dos teóricos racistas norteamericanos, como Louis Beam ou Willian Pearce. O contato se dá desde o discurso construído pelos Skinheads a partir desses teóricos.
Os Hammerskins tem como orientação primeira as 14 palavras de Beam, adaptadas ao idioma português pelo grupo White Power Sul Skinheads (WPSS): “Precisamos assegurar a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas”.
A simbologia adotada pelos WPSS é buscada diretamente na KKK e em outras organizações racialistas internacionais, algo que se verifica na totalidade dos grupos pro-white brasileiros pesquisados.
A discussão a respeito na presença nordestina é praticamente exclusiva aos Skinheads de São Paulo. Entre os ‘carecas’, uma maioria de extrato suburbano, a presença de imigrantes e de seus filhos já nascidos em território paulista é um tema pessimamente resolvido. Não há postura clara e os precedentes são perigosos.
É fato que existem skins herdeiros dos movimentos migratórios do nordeste, presença decisiva na construção do movimento operário do ABC paulista. Entretanto, entre estes, há quem contraditoriamente se mostre desfavorável à imigração ou mesmo negue sua origem regional. O ‘careca do subúrbio’ JC, filho de mãe nordestina, declarou em princípio dos anos 1990: “O problema é que eles aceitam ganhar qualquer coisa e aí os salários caem. A melhor coisa era desenvolver essas regiões para que eles ficassem lá. Eu sou uma pessoa que me esforço e devia ganhar mais”. Já MG., editor do fanzine Protesto Suburbano desde 1986 (desligou-se dos Carecas do Subúrbio em 2004), em carta enviada ao skin porto-alegrense RC., afirma que os primeiros defensores de posturas anti-imigração saíram do meio ‘careca’: “Até eu, apesar de ser pernambucano, me envolvi [no combate à presença nordestina] e inclusive saí na capa da finada e infame revista Atenção, numa foto muito antiga”. Na citada foto, MG. aparece ao lado de outros ‘carecas’, mão espalmada, fazendo a saudação típica do nacional-socialismo.
Distanciados das controvérsias internas dos ‘carecas’, os white power skinheads abominam a população de origem nordestina que habita São Paulo.
Há algo de racial no conteúdo da repulsa. Fenotipicamente, os imigrantes nordestinos tendem a ter a pele mais escura, apesar do sotaque e da cultura serem as principais marcas distintivas. Assim, além de racialmente inferior, é muito comum seu uso como bode expiatório do desemprego e da desagregação cultural, como se São Paulo possuísse traços culturais homogêneos passíveis de dissolução através da presença “estrangeira”.
Aqui, o pensamento nacionalista europeu contemporâneo está fortemente presente, como indica Stolcke ao definir a razão de eventos dessa ordem no velho mundo: “Um argumento citado para justificar contra os imigrantes é de que, além de tudo, ‘eles’ são diferentes culturalmente (...). Um grande número de imigrantes destruiria a ‘homogeneidade da nação”. Nesse sentido discorrem as músicas “Nosso estado”, da Frente Nacional, e “Migração”, da Brigada NS:
“Não podemos recuar/ A migração já passa do limite/ Somos paulistas, vítimas paulistas/ Não, não perca seu orgulho/ (...) Falam mal da invasão estrangeira/ Mas não enxergam a migração interna/ Nós nascemos aqui/ Não deixe que te roubem/ Seu emprego, sua garota, seu lugar/ Temos que lutar antes que seja tarde/ São Paulo jamais será dividido”
“Dia após dia/ Migram do nordeste/ Centenas de imundos/ Que são uma grande peste/ Nossa histórica cultura/ Está sendo esquecida/ Nosso povo se mistura/ Com essa espécie apodrecida/ Não, migração, não/ São Paulo está/ Ficando pequeno demais/ Amo São Paulo/ Quero viver em paz/ Migração diária polui o nosso estado/ Tenho de lutar/ Não vou ficar parado”
A violência que emana desse discurso acaba assumindo outras formas que não à agressão física dirigida a negros ou a nordestinos. Casos graves como o assassinato em Ribeirão Preto (SP) de um menino de rua negro a chutes por um skinhead de apenas 16 anos, em 1993, sob o argumento de que extermínio de drogados, negros, nordestinos, prostitutas e homossexuais é um serviço prestado à Nação, e o envio de uma carta ao SOS Racismo (SP) com a foto de um policial branco apontando o fuzil para um negro seguido dos dizeres “Aberta a temporada de caça às galinhas de Angola”, também em 1993, são fatos excepcionais.
A repressão desencadeada por esses eventos assim como a divulgação de idéias pela web provocou um claro recuo de manifestações públicas de intolerância ao ‘outro’. Muito mais comum no tempo presente as brigas entre grupos rivais de ‘carecas’ e white power skins ou atos de violência contra homossexuais, especialmente em zonas de prostituição de travestis, que raramente denunciam a violência que sofrem, e atos de vandalismo em pontos de encontro tipicamente gays. O mais grave desses eventos ocorreu em fevereiro de 2000, quando um grupo de Carecas do ABC assassinou o adestrador de cães Édson Néris da Silva a golpes de coturno e soco inglês somente porque ele circulava pela Praça da República, centro da capital paulista, supostamente de mãos dadas com seu companheiro. Legitimada por um fundo religioso, a exclusão de homossexuais é mais uma variante na composição do nacionalismo dos skins brasileiros, desta feita sem gerar rivalidades entre ‘carecas’ e skinheads supremacistas uma vez que não envolve a questão da raça.
O programa de exclusão de negros e nordestinos propalado pelos skins do ‘poder branco’ encaminha a questão do separatismo. Ao contrário da maioria dos ‘carecas’, unionistas e aceitadores da multiracialidade brasileira, mesmo quando contrários à miscigenação, os skinheads do ‘poder branco’ defendem a formação de um novo Estado e, conseqüentemente, de uma nação somente para a população branca. Mas entre esses mesmos skins, duas correntes separatistas distintas dividem a causa entre os defensores de um Estado formado pela junção de São Paulo com a região sul do Brasil - Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (essa proposta, naturalmente, parte dos skinheads de São Paulo) e aqueles que desejam a formação de um país apenas com os três estados sulistas. A exclusão de São Paulo eliminaria certos problemas que não dizem respeito ao sul do Brasil, como a já citada imigração nordestina.
Segundo Andrade, “há mais nordestinos em São Paulo do que em Salvador, Fortaleza ou Recife. A maior parte dessa população é formada por pessoas pobres que ocupam atividades de baixa especialização, ganhando salários inferiores, trabalhando em atividades refugadas pelos paulistas e vivendo em bairros periféricos pobres, em favelas (...)”.
O mesmo autor indica que o separatismo sulino combate “também São Paulo, por considerá-lo como Estado mais rico, um intermediário na exploração do Sul pelo Norte” e “Tem verdadeira aversão a Brasília", considerando-a como um câncer no sul. O tema “Região Sul Livre” discursa nesse sentido:
“Os três estados sulistas não podem carregar/ Essa cumplicidade de quem não quer ajudar/ O sulista trabalha, seu dinheiro some/ Das contas bancárias destes vermes em Brasília/ Não precisamos do poder centralizado/ Somos potência e não impotentes/ Vamos romper estas correntes e vencer/ Sou sulista, não quero ver minha gente morrer”
Há, entretanto, uma questão de foro interno que incomoda os skinheads pro-white do Paraná, de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e reforçam a exclusão de São Paulo do projeto de secessão, ou seja, grande parte dos white power paulistas não seriam realmente herdeiros do sangue europeu, somente mestiços se fazendo passar por arianos.
Comunismo e sionismo: os inimigos da nação Skinhead
Entre as tantas discórdias internas que assolam a improvável unidade dos skinheads brasileiros, pelo menos dois temas são capazes de colocar sob um mesmo teto ideológico a totalidade de seus integrantes. Tanto para ‘carecas’ como para white power skins o comunismo e o sionismo são inimigos a se eliminar em nome de um nacionalismo pleno e irrestrito. Antes de mais, porém, é de se pensar através de que formatos as informações quanto ao sionismo e o comunismo chegam até os skinheads. Partir da premissa que tais formatos são numericamente variados livros, fanzines, websites, músicas e oralidade - é ponto de partida e encaminha a idéia de que os métodos de absorção da mensagem se dão basicamente por meio dos próprios produtos culturais dos skins. São poucos aqueles que realizam a leitura direta de tratados político-filosóficos e históricos de orientação nacionalista e revisionista. E, pelo menos no caso brasileiro, é pouco usual a presença de intermediários ideológicos extra-grupais.
Assim sendo, compreender o ódio que cultivam os skinheads do Brasil pelo comunismo e pelo sionismo passa, obrigatoriamente, pelo tipo de apreensão que eles fazem de tais objetos. Quanto ao comunismo, pode-se afirmar que se trata de um processo combinatório no qual estão incluídos elementos da experiência socialista real, tomada pelos skinheads como fracassada, da teoria marxista e da suposta influência socialista sobrevivente através da esquerda trabalhista (leia-se Partido dos Trabalhadores e aliados), nos rumos da política nacional. Porém, é necessário dar medidas diferenciadas a cada um dos componentes dessa equação, cabendo ao último deles o peso maior para os skinheads.
Sobre a extinta União Soviética, RM vê nela
“o exemplo do comunismo posto em prática, o exemplo da desgraça que aquilo representa: o fim da religião, que é uma coisa fundamental para o ser humano, todo mundo tem que ter uma base espiritual, uma crença em Deus (...). Não deu certo, faliu um país que tinha tudo para dar certo. Além de doutrinariamente sermos radicalmente contra, na prática o comunismo não funciona. Os nacionalismos - o nacional socialismo e o fascismo - foram destruídos por guerra. Porque funcionaram. Você vê que a Alemanha era zero desemprego, a Itália, zero desemprego. Agora, o comunismo se autodestruiu.”.
O pensamento do ‘careca’ entrevistado representa a hiperidealização de sistemas políticos totalitários, comum entre todos os skins.
Em relação aos modelos socialistas internacionais sobreviventes, os skinheads também não demonstram condescendência alguma. A posição do grupo separatista White Power Sul Skinheads é sintomática:
“Todos nós sabemos que o comunismo é a negação completa da ordem cristã fundamentada na verdade revelada por Deus nos mandamentos e pregada pela Igreja. (...) Em Cuba, o comunismo avança mais do que nunca em sua obra de destruição dos últimos redutos da civilização cristã naquele país.”
Os skins ainda crêem que a sobrevivência do comunismo em solo brasileiro está garantida por seu poder de influência sobre o modo de pensar dos jovens. Tendendo a optar por modelos de conduta que ofereçam maior liberdade, em que a intensidade da vigilância disciplinar é menos ferrenha, não surpreendentemente a juventude sempre foi um campo de forte penetração dos ideais de esquerda. Assim, para os skinheads do Brasil, o comunismo se traveste de libertário/ libertino como forma garantir sua continuidade política:
“Vamos falar da nossa realidade, a realidade brasileira. Nós estamos totalmente contra o comunismo pelo que ele representa hoje no Brasil: drogas, aborto, homossexualismo. Você vê o exemplo dos políticos de esquerda. Então nós somos radicalmente contra o comunismo.”
RM, por certo, se refere aos políticos que levam a termo os debates a respeito da legalização do aborto, da descriminalização ou liberação da maconha e da união legal entre pessoas do mesmo sexo, usualmente filiados às siglas da esquerda nacional.
Já a questão do sionismo produz ataques generalizados por parte dos skinheads brasileiros. Em comum ainda o livro - ou de acordo com Lopez, a “colagem de assuntos sem continuidade” - que dá a base histórica da resistência ao “poder sionista”: Holocausto: judeu ou alemão?, de S. E. Castan, tido pelos skinheads como verdade absoluta e, de certa forma, responsável pelo peculiar reconhecimento interno de que a mídia em todas suas formas populares, mas especialmente a imprensa, está concentrada nas mãos do sionismo.
O que tornaria os sionistas capazes de controlar a opinião pública em termos favoráveis aos seus planos de dominação mundial, usando do Holocausto como moeda de troca nos momentos críticos. A perspectiva histórica proposta por Castan deu vazão a uma série de justos protestos contra o teor da obra.
De best-seller de banca de jornal, Holocausto: judeu ou alemão tornou-se um livro proscrito e seu autor condenado em instância federal por crime de racismo. O que acabou lhe conferindo ainda mais legitimidade entre os skins.
As opiniões dos ‘carecas’ T. e L., neste depoimento registrado no início da década de 90, após a leitura por ambos de Castan, apontam esse credo irrestrito:
“Bom, falando a verdade, houve deturpação também pelos judeus e pela imprensa. Esta era toda de judeus. Já tive informações que, na época, na Alemanha (...) era igual a isso que o Brasil está passando agora. Os caras andando todos com ‘carrinho bonitinho’, e os alemães ‘malhando’, não tendo nada. (...) Até hoje os judeus tentam deturpar essa imagem. Falaram que existia a câmara de gás, crematório. Só que está sendo provado por um cara, um cidadão que foi pesquisar, que não era verdade. O pessoal aprendeu na escola que o alemão era um monstro. Quanto ao Hitler, os negros também o aprovaram. Racismo só tinha contra judeu, sabe, era só eles.”
Sendo o discurso de Castan, inevitavelmente importado do revisionismo histórico alemão, os argumentos que motivam o anti-sionismo dos skinheads brasileiros resultam similares àqueles usados na Alemanha e em demais países europeus, torna-se, assim, cabível para o Brasil o exemplo apresentado por Teixeira da Silva:
“(...) na Alemanha, as lideranças fascistas exercitam organizadamente o desafio à legislação contrária a apologia do racismo, ao denunciarem o Holocausto como mentira histórica. (...) Os teóricos da revisão histórica receberam um apoio inesperado das organizações ligadas à defesa dos palestinos, bem como dos próprios países islâmicos, interessados em demonstrar uma (...) manipulação, por parte de Israel, do genocídio judeu como arma incapacitante de qualquer crítica à política israelense no Conflito do Oriente Médio.”
Mais recentemente, protegidos pelo anonimato que somente a rede mundial de computadores pode oferecer, os ataques passaram a ser mais sistemáticos e agressivos. Enquanto, atualmente, os ‘carecas’ preferem evitar o assunto e as polêmicas dele provenientes, os white power skinheads aproveitam-se do recurso a web para promover seus ataques. Eis o que afirmam os integrantes da facção Esquadrão NS, formada a partir de São Paulo, no texto “Mídia sionista”:
“Devemos dizer não à mídia sionista. Eles destroem os verdadeiros valores, que são a família, a honra, a lealdade, o dever e o orgulho. E nos vendem os falsos valores, valores que já tomaram conta de quase todo o planeta, o status, a fama, a fortuna, a moda, a beleza, a riqueza pessoal acima de tudo, mesmo que seja necessário pisar em todos, até mesmo em pessoas da sua própria raça.
A mídia na verdade é uma grande corrompedora de menores, incitam a sexualidade infantil sem medir conseqüências, embora saiba quais serão pois na verdade querem acabar com o pátrio poder da família, tornar nossa sociedade um pandemônio, facilitando os atos de execução dos governantes já que o indivíduo que não respeita aos pais, por conseqüência, não respeitará o próximo. E isso de um modo geral é o início da verdadeira anarquia.”
Os fragmentos acima apresentados sintetizam, em boa parte, o pensamento Skinhead em torno da improvável capacidade sionista de desintegrar uma nação, no presente caso a brasileira. Os entraves à vitória do nacionalismo, segundo o apresentado, não estariam em atingir diretamente a soberania nacional, apesar de suas capacidades para tanto, mas em atacar a pátria a partir de instâncias menores em termos de visibilidade e tão importantes como o próprio território (do Brasil, de São Paulo ou dos três estados sulistas), ou seja, a família - especialmente buscando
o rompimento entre gerações - e mesmo o indivíduo em sua relação de dever para com o Estado nacional. A disseminação de liberdades através do monopólio midiático como a divulgação das drogas, do sexo precoce, da homossexualidade, idéias contrárias aos baluartes morais da nação, idealizados pelo pensamento de extrema-direita, faz do sionismo o grande inimigo do nacionalismo propalado pelos skinheads.
Parte dos males identificados pelos skinheads nas práticas sionistas e comunistas é de mesma ordem, está colocada no campo da moral. Por métodos diferenciados - a esquerda através do debate político e os judeus internacionais através do poder da mídia - divulgariam valores contrários ao conservadorismo nacionalista. Tornam natural aquilo que skins consideram antinatural; aborto, homossexualidade, sexo precoce ou mesmo a infidelidade conjugal e uso de drogas. Tais elementos receberiam o banimento em uma sociedade idealizada pelos adeptos do ultranacionalismo. Para eles, a eliminação do comunismo e do sionismo daria conta de resolver boa parte dos problemas da nação. Assim pensam os skinheads a esse respeito, ainda que a maioria não tenha uma noção clara da nem origem dessas idéias e nem tampouco onde localizar provas que justifiquem esse pensar.
Escutem a música "Perigo Vermelho" da banda "Defesa Armada"
Conclusão
Mais complexo que buscar as origens do discurso intolerante dos skinheads brasileiros e das práticas dele oriundas é compreender o que faz que tantos jovens sintam-se atraídos por esse universo que, naturalmente, os condena a marginalidade e à perseguição legal. Nesse sentido, creio ser possível trabalhar com duas hipóteses que, conjuncionadas, oferecem algum sentido à total ausência de razão. A primeira delas diz respeito à natureza rebelde dos jovens. Na sanha da diferenciação e da afirmação, nem sempre as escolhas a esse respeito são as mais recomendáveis. Assim, as violências típicas dos Skinheads assumem a função de torná-los temidos e com isso, dentro de uma perspectiva absolutamente interna, respeitados pelos demais setores da sociedade, especialmente aqueles que eles julgam combater.
A segunda refere-se às mazelas de ordem social que no Brasil não são poucas. Desemprego ou subemprego, falta de perspectiva para o futuro, educação paupérrima, só para citar aqueles que atingem mais severamente a juventude, são problemas de longa data para os quais o poder instituído não oferece solução. As mentes juvenis, cansadas de tamanha insolubilidade, acabam buscando alternativas simplificadoras para problemas complexos. E, como visto ao longo do presente artigo, o ideário de extrema-direita surge como um baluarte de segurança já que resolver os problemas passa pelo esforço de simplesmente eliminar os agentes sociais responsáveis. Tanto que, já foi dito, os ‘carecas’ perdem membros e posições para os quadros do ‘poder branco’, detentores de um discurso mais ordenado, no qual há uma definição clara do inimigo.
Vale a ressalva de que localizar as motivações para a existência e persistência dos skinheads no Brasil não é justificar suas ações a partir das incertezas naturais da juventude. Para certas coisas, a maturidade não precisaria ser necessária.
Mas se a intolerância e a violência chocam-se com o primado da razão, há que se convir que a razão ocidental, por questões visíveis a olho nu, enfrenta uma crise de credibilidade cada vez mais intensa, o que permite a existência de humanos que odeiam outros humanos em função de seus aspectos físicos, culturais e mentais e, além disso, julgam-nos os agentes de toda a sorte de desgraças possíveis. Segundo Hobsbawm:
“Como vivemos numa era em que todas as outras relações ou valores humanos estão em crise, ou, pelo menos, em algum ponto de uma viagem para destinos desconhecidos e incertos, a xenofobia parece estar se tornando a ideologia em massa deste fin de siécle. O que hoje une a humanidade é a negação do que a espécie humana tem em comum.”
O historiador britânico refere-se mais especificamente à Europa e suas relações com o ‘outro’. Mas, sinceramente, o que poderia fazer do Brasil um lugar tão diferente nesse sentido?
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